quinta-feira, 23 de maio de 2013

Rochas: O estrado de nossos pés (Leonardo)



Observando com atenção o espaço ao redor, percebe-se quão rápida e contínua é a sua transformação. Há muitas décadas atrás, as ruas da cidade de Salvador eram quase que completamente cobertas por paralelepípedos (rochas de intensa resistência mecânica, cortadas em forma de prismas retangulares, utilizados para o calçamento), e hoje se encontram, em sua maioria, recobertas por um mar de concretos e asfaltos... São poucos os pontos da cidade que ainda reservam essa beleza que nos remete a fatos históricos e a uma sensação de viver lá no passado, por volta dos séculos XIX/XX, com aquele ar de antiguidade e todos aqueles casarões coloniais e luminárias a gás. Muitos deles estão concentrados no centro histórico da capital, enquanto o resto está muito mal distribuído cidade a fora.

A "Feirinha", na imagem, é uma dessas relíquias (se é que assim posso chamar). Localizada no Bairro de Cosme de Farias, ao lado do mercado "Todo dia", e assim chamada e conhecida pelos "cosmefarienses", intercepta a rua Wesnceslau Galo e a Rua Cosme de Farias, servindo de acesso para muitas pessoas, inclusive eu. Passo por ela todas os dias à caminho do IFBA, e algumas dessas "pedras", se não todas, já me serviram de tropeço alguma vez.  Porque? Conheço a Feirinha desde que me entendo por gente. 
Os Granitos, Basaltos, Gnaisses e Gabros que compõem esse caminho fazem parte da minha história. Estão no meu cotidiano. E ainda mais agora, quando posso olhar para cada um deles e intuir quem são, sua gênese, características, composição mineralógica etc.

O homem possui grande dádiva, dada pelo seu Criador, de possuir um vasto arsenal de matéria-prima na natureza e transformá-las para seus deleites. Capacidade essa muita limitada há séculos atrás e bem mais desenvolvida hoje, com todos os recursos científicos e tecnológicos adquiridos. Embora num passado muito remoto, o calçamento fosse uma das formas de utilização mais apropriada e óbvia das rochas, hoje as mesmas são a fonte dos principais recursos que sustentam os padrões de vida da nossa sociedade: Petróleo, os metais, os minerais de grande valia, a matéria-prima para a construção civil, a sílica, o solo (para a agricultura) e tantos outros. 

Todavia, nem todas as toneladas de asfalto utilizadas para pavimentação conseguiram abafar a manifestação mais simplória de utilização das rochas - O CALÇAMENTO EM FORMA DE PARALELEPÍPEDOS. Ainda que toda a cidade, inclusive a Feirinha, venha a ser pavimentada, restará em nossas memórias, e em muitos registros, a beleza desse adorno do chão, esse "ofício escasso" das rochas. Os europeus, colonos, negros, e muitos de nós tiveram esse privilégio.

O "ofício das rochas"? servir de repouso, assoalho, sustento, só que de uma forma mais direta (isto é, mais visível e palpável). O privilégio? Pisar. Andar e sentir um leve desconforto por não estar sobre um plano perfeito. Apalpar e sentir, com os pés descalços, a frieza das rochas. Sentir as curvas dos pés assentar sobre a convexidade dos paralelepípedos, ou não. Pisar Errado. Levar uma topada. Tropeçar. Até mesmo Cair. E, depois, levantar. 
Eis as rochas, em uma de suas facetas, prestando esse serviço, entre tantos outros, de ser O ESTRADO DE NOSSOS PÉS.

Leonardo Almeida da Silva.

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